Descubra quem é Kali Uchis e seu “Isolation”, um dos álbuns mais aclamados de 2018.

Kali Uchis na capa de “Isolation”

She’s a hurricane, feel the Earth shake”: parafraseando a própria na terceira faixa de seu álbum debut, essas são as melhores e mais assertivas palavras para definir Karly-Marina Loaiza, conhecida popularmente (mas nem tanto) como Kali Uchis. Nascida em 1994, a artista só veio conceber seu primeiro álbum, “Isolation” (estilizado como isola†ion), em abril de 2018, aos 23 anos (embora seu extended play, “Por Vida”, date de 2015).

Alguns avaliam o fato dela ter sido lançada na indústria “tarde” como algo negativo. Eu, pelo contrário, consigo avaliar de forma muito positiva: em todo esse tempo, Kali adquiriu uma bagagem incrível enquanto intérprete, compositora, produtora, instrumentista, poetisa e consegue compilar todas as suas vivências de forma esplêndida em seu álbum debut.

Karly não é exatamente americana: nasceu na cidade de Pereira, na Colômbia e, entre idas e vindas dos Estados Unidos ao seu país de origem, se estabeleceu nas terras do Tio Sam, mas o sangue latino sempre correu em suas veias e ela jamais negou ou tentou escondê-lo. Em “Isolation”, Uchis consegue imprimir uma série de influências e gêneros musicais, trabalha com grandes nomes por trás de Gorillaz na produção de “In My Dreams” e de Tame Impala em “Tomorrow”.

Tendo em vista todo esse complexo, você pode pensar que “Isolation” soa inconsistente, confuso ou perdido, mas – spoiler – está enganado: em todas as canções, a artista consegue imprimir sua marca, seja por meio de seu sotaque, de seu timbre, de suas letras… Não é a toa que ela é creditada em todas as 15 faixas do álbum

A intro do álbum não poderia ser mais brasileira: “Body Language” tem uma pegada bossa nova, algo meio tropicália que já te leva para outra dimensão e mostra que você está embarcando numa grande viagem, que se inicia na América do Sul e acaba na América do Norte. Ao longo de “Isolation”, vemos Kali protagonizando algumas músicas e, em outras, encarnando personagens e dando voz às garotas que entram na prostituição cedo como em “Miami”, seu featuring com BIA

Conta com Steve Lacy em “Just a Stranger”, que participa tanto da composição junto à Uchis quanto da produção da música, guiada por baixo, teclado e bateria do início ao fim. O álbum perde o ritmo propositalmente em “Flight 22”, uma das baladinhas mais apaixonadas de tom Jazz/Soul a la Amy Winehouse, mas volta com tudo em “Your Teeth In My Neck” que, em tradução literal, significa “seu dente em meu pescoço” e não tem ambiguidade aí não: na canção, Kali denuncia os “vampiros” da indústria fonográfica que, segundo ela, tentaram se apropriar de sua arte e de sua visão.

Clipe de “Just A Stranger”, parceria entre Kali Uchis e Steve Lacy

O disco entra em sua vibe reggaeton em “Tyrant”, seu featuring com a maravilhosa Jorja Smith (com quem Kali está em turnê agora, inclusive) e juntas, elas conseguem entregar o poder negro e latino e mostrar como se tornam exponenciais quando se juntam. Em seguida, o álbum nos concede “Dead To Me”, com Two Inch Punch na produção (que já colaborou em Communion e Palo Santo, de Years & Years) numa canção sobre alguém que morreu (metaforicamente) para a intérprete. 

O reggaeton se manifesta de forma mais consistente em “Nuestro Planeta”, segundo single do álbum, e a única cantada integralmente em espanhol, que tem a participação do colombiano Reykon “El Líder”, cantor que se consolidou neste gênero. Kali mostra que leva jeito para o reggaeton, mas não se deixa levar nessa maré saturada: o álbum é a compilação de todas as suas experiências, portanto, a artista deseja demonstrar sua versatilidade e não fazer algo comercial só para hitar a qualquer custo.

Pôster da “The Kali & Jorja Tour”, turnê de Kali Uchis e Jorja Smith

Isolation guarda suas pérolas para o final, onde encontramos grandes colaborações: em “In My Dreams”, Kali recebe a ajuda de Damon Albarn na produção, composição e na interpretação da bridge da canção. Albarn é criador da consagrada Gorillaz, banda virtual que data de 1998 e que já ganhou diversos prêmios ao longo de sua trajetória. A artista já havia colaborado com a banda em “She’s My Collar”, canção do disco “Humanz”, de 2017.

Encaminhando-se para o final de “Isolation”, o álbum debut da colombiana nos entrega duas interludes: uma antes (“Gotta Get Up”) e outra depois (“Coming Home”) de “Tomorrow”, um dos maiores brilhos deste trabalho. A canção já se inicia com os sintetizadores psicodélicos e característicos do Tame Impala e traz Kevin Parker, vocalista da banda que participa da produção de todas as suas músicas e já trabalhou com nomes como Lady Gaga, Kanye West e, recentemente, em “Find U Again”, música de Mark Ronson com Camila Cabello, do álbum “Late Night Feelings”.

Kali Uchis no trabalho visual de “After The Storm”, seu featuring com Tyler, The Creator e Bootsy Collins

“After The Storm” é o que chegou mais perto de ser o hit do álbum – até o momento que escrevo, a parceria com Tyler, The Creator e Bootsy Collins rendeu algumas performances na TV e acumula mais de 46 milhões de visualizações no YouTube. A canção é embalada num R&B guiado por baixo, sintetizadores, bateria, percussão e é bem executada do começo ao fim, nos passando uma mensagem positiva em meio ao caos (“Someday we’ll find the love/’Cause after the storm’s/When the flowers bloom”).

Kali Uchis se despede de nós com seu jazz em “Feel Like A Fool” e “Killer”: a artista toca saxofone e a vibe Amy Winehouse grita na primeira, uma uptempo R&B. Inclusive, a quem já assistiu o live video album de Winehouse, “I Told You I Was Trouble: Live in London”, pode fechar os olhos e mentalizar a artista e seus backing vocals fazendo alguns passos entusiasmados. Por fim, “Killer” é executada num ritmo desacelerado, com os vocais uma Kali dilacerada, embalados por piano, arranjos vocais melancólicos e vai embora antes mesmo que possamos dizer adeus, com seus 02:52 de duração.

A lendária Amy Winehouse, um dos maiores nomes da música que, lamentavelmente, perdemos.

“Isolation” é um álbum atemporal, construído de forma cuidadosa e que nos revela uma artista magnífica e, infelizmente, superestimada que já nos entregou em seu primeiro disco tudo com um acabamento primoroso – sem sequer precisar ser cobrada por isso. 

Ouça o isolamento de Kali Uchis:

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