‘Cancelar’ um artista: bullying ou justiça social?

Entre no Twitter. Provavelmente, em apenas alguns minutos, você vai encontrar algum tweet de alguém pedindo que um artista seja cancelado. Os motivos podem variar: uma fala problemática há alguns anos, uma curtida desnecessária ou até algo mais sério, como a revelação de um crime. Seja qual for o caso, o tribunal da internet sempre tem seu veredito imediato: cancelamento. E aí é só correr para as redes sociais do artista e aproveitar para desferir todos os xingamentos possíveis. Problema resolvido! Será?

Há alguns anos, com o avanço dos movimentos sociais, em especial o feminismo, o movimento LGBT e o movimento negro, as pessoas, mais especificamente os jovens, passaram a prestar mais atenção no comportamento dos astros que tanto admiravam. E isso é ótimo! Não tem nada daquilo de “hoje o mundo tá chato”. Pessoas devem sim ser responsabilizadas caso contribuam com racismo, machismo ou LGBTfobia.

A ação, então, era saber se aquele artista, adorado por tantos, na verdade escondia uma faceta preconceituosa. Qualquer deslize bastava para que tweets antigos fossem recuperados, aspas de entrevistas relembradas e antigas polêmicas trazidas à tona. Junto com isso, movimentos como o #MeToo dos Estados Unidos, expondo agressores sexuais, revelaram que alguns dos nomes mais conhecidos de Hollywood como Harvey Weinstein e Kevin Spacey tinham históricos repletos de crimes e abusos. Em quem mais é possível confiar?

Foi aí, então, que nasceu a cultura do cancelamento. Se algum artista tivesse pisado na bola e feito alguma merda, o público precisava saber e tratar de colocá-lo na lista negra imediatamente. A lista de artistas cancelados é tão extensa e volátil que é quase impossível lembrar de todos. Alguns como Chris Brown e Johnny Depp, com fichas policiais nada limpas, são completamente justificáveis. Mas nem precisamos ir tão longe.

Nesta semana, Taylor Swift desabafou sobre suas experiências negativas ao lado do empresário Scooter Braun, atual detentor dos direitos de suas músicas antigas. A maioria dos artistas saiu em defesa de Taylor. Outros, como Demi Lovato e Justin Bieber, preferiram se manter do lado de Scooter. Alguns como Kacey Musgraves simplesmente deram uma curtida em um post da esposa do empresário. Mas não interessa o tamanho do envolvimento: todos cancelados!

Logo depois do episódio, fãs de Taylor e de outros artistas invadiram o perfil de Demi no Instagram para desferir uma série de xingamentos à cantora. No Twitter, muitos falaram de seu peso e de sua saúde mental, inclusive sugerindo que ela se matasse. Vale lembrar que, em 2018, Demi Lovato sofreu uma overdose e realmente quase morreu após misturar drogas e álcool. Será que xingá-la e ameaçá-la resolve o problema de Taylor?

Não se trata de apontar lados certos ou errados, muito menos se focar em um caso específico. É uma prática geral. Propuseram cancelar Gloria Groove porque ela elogiou o trabalho de Priscila Alcântara, que supostamente já deu declarações homofóbicas. Propuseram cancelar Childish Gambino porque ele fez piadas problemáticas na década passada, mesmo depois de suas desculpas e sua mudança de comportamento.

Parece quase prazeroso conseguir cancelar a carreira de um artista. O problema é quando outros pagam o preço de algo que não têm mais controle. Por que não mirar em Scooter Braun ao invés de atacar Demi ou Kacey? Por que não acertar os pontos com Priscila antes de colocar Gloria na forca? Por que não dar a chance de Gambino reconhecer seu passado ao invés de persegui-lo por ele? Até onde, o cancelamento é uma forma de justiça e não uma forma de bullying?

No Brasil, também não faltam outros casos de artistas cancelados. Biel, Anitta, Valesca Popozuda. O primeiro viu sua carreira decair, felizmente, após o infame caso de assédio a uma jornalista. Anitta pagou o preço por sua omissão e seus constantes desentendimentos com colegas na indústria. Valesca foi recebida com ódio por ser amiga de um eleitor de Bolsonaro. Mais uma vez, o padrão se repete. Pelo menos no último caso, alguém pagou pelo erro de outro.

Não dá para medir até onde essa tal cultura do cancelamento está realmente afetando os artistas. Chris Brown já esteve muito em baixa, mas agora emplaca um hit entre as 10 mais da Billboard. Anitta também continua dona de seu império e não parece desaparecer tão cedo. O que precisamos pensar é se nossas ações estão sendo realizadas com uma boa intenção ou apenas pelo desejo incontrolável que alguém se dê mal.

E aí?Já cancelou alguém hoje?

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