Do extremo leste paulistano, mais especificamente da Cidade Tiradentes, veio Thaís Dayane da Silva, conhecida popularmente como MC Tha. Embora tenha lançado “Olha Quem Chegou” – seu primeiro single – aos 21 anos, já tinha envolvimento com a música desde os 15, passando pelo funk e posteriormente pelo rap. Esse último, inclusive, abriu seus olhos à uma série de questões estruturais nas quais ela estava inserida e atribuiu uma consciência política e social à artista.
Hoje, aos 26, Thaís conseguiu compilar grande parte das suas referências musicais e experiências pessoais em seu primeiro álbum de estúdio, “Rito de Passá”, produzido de forma independente. Neste trabalho, MC Tha traz elementos melódicos e batidas do funk carioca, MPB, pop, brega e instrumentos tradicionalmente usados em ritos da Umbanda – ela é umbandista batizada há mais de três anos e professa toda sua fé com muita convicção e amor.
A abertura é uma ode à Zambi e Oxalá. Na Umbanda, Zambi é o nome de Deus, enquanto Oxalá é um dos principais orixás, sincretizado a Jesus Cristo. O nome do álbum (que também é o título da segunda faixa do disco) faz referência direta às crenças de MC Tha e, ao longo dele, notamos outras alusões à sua religião que combina elementos de matriz africana e cristã.
Entretanto a intérprete proporciona um leque abrangente de temas no decorrer das canções, ambientando romances, paixões, experiências e encarnando personagens. Em “Onda”, conta com a participação especial de Felipe Cordeiro e seu amigo Jaloo, com quem ela já morou junto e tem uma relação muito próxima. É possível notar, inclusive, influências da sonoridade de Jaloo neste álbum, artista maranhense característico por suas músicas com elementos regionais.
Um outro álbum que me veio em mente a partir de “Rito de Passá” foi o aclamado “El Mal Querer”, da espanhola Rosalía. Se você ouviu ambos, pode não ver muito sentido nisso, mas vou explicar: os dois trabalhos são de mulheres talentosas, de muita atitude e cheias de referências que encontraram na arte uma forma de manifestarem suas influências musicais, expressões culturais e religiosas, unindo o clássico ao contemporâneo.
Enquanto Rosalía pauta seu trabalho no tradicional flamenco e insere elementos do urban pop, do hip-hop e da cultura cigana, MC Tha compila suas experiências no funk carioca, mescla à música popular brasileira moderna e ao rap e ainda expõe seu credo de forma magnificente. Ambas se arriscaram e trouxeram álbuns inovadores a um cenário por vezes engessado e genérico, mostrando ser possível oportunizar grandes contribuições ao mainstream.
Rosalía colhe os frutos de “El Mal Querer”, disco muito bem recebido pela crítica e que, antes mesmo de seu lançamento, teve o primeiro single, “Malamente”, indicado 5 vezes ao Grammy Latino, saindo vencedor de duas categorias. Da mesma forma, esperamos bons resultados da valente MC Tha e o reconhecimento de seu trabalho por parte da crítica e do público. As sementes de comigo-ninguém-pode já foram plantadas, o jeito é esperar pela colheita.
Ouça “Rito de Passá”, disponível em todas as plataformas digitais: